Ciência através das gerações: Uma série de diálogos
Principais percepções dos capítulos 30 e 31 do Relatório de Avaliação da Amazônia 2021
O que acontece quando pesquisadores experientes da Amazônia se reúnem com jovens cientistas e líderes para discutir o futuro da região? O resultado são conversas francas e provocativas sobre os dilemas do desenvolvimento, os limites do progresso e o papel central dos povos tradicionais.
Na terceira edição do webinar Science Across Generations, organizado pelo Painel Científico para a Amazôniaos autores principais dos capítulos 30 e 31 do Relatório de Avaliação da Amazônia 2021 - Ricardo Abramovay e Adriana Ramos - dialogaram com membros do Comitê Consultivo de Jovens (YAC) da o SPA: Maryane Andrade, Pedro Neves de Castro, Gustavo Nascimento e João Pedro Braga. A conversa ofereceu análises criteriosas e perguntas instigantes, destacando que a construção de uma Amazônia sustentável depende tanto da memória histórica quanto da energia criativa da nova geração.
O peso da história nos investimentos
Abrindo a discussão, Ricardo Abramovay apresentou os principais pontos do Capítulo 30. Ele nos lembrou que os mercados atuais só podem ser compreendidos à luz da história que os moldou.
Em resposta à pergunta de João Pedro Braga: "Por que o financiamento insiste em modelos extrativistas, em vez de investir na bioeconomia, que pode gerar retornos mais altos?", Abramovay explicou que os investidores ainda se baseiam em modelos tradicionais porque eles permanecem fundamentados em uma lógica patrimonial enraizada no passado escravagista do Brasil. "Os mercados são estruturas sociais, construídas com base no que já existe. Isso limita a abertura para modelos inovadores e dificulta novos fluxos de investimento na bioeconomia", disse ele.
Ele enfatizou que essa lógica não se limita à Amazônia: em muitas outras partes do Brasil, o patrimônio histórico também orienta as decisões financeiras, perpetuando a concentração de riqueza e a resistência a modelos mais inclusivos. A sociobioeconomia, embora reconhecida como promissora, continua enfrentando barreiras institucionais, falta de políticas claras e um mercado global que ainda valoriza as commodities tradicionais em detrimento dos produtos sustentáveis.
Essa análise levantou um ponto central: se quisermos acelerar a transição, precisaremos combinar novos mecanismos de financiamento, políticas públicas que incentivem a inovação e consumidores que pressionem por mudanças.
Povos indígenas e comunidades locais guardiões da floresta
Adriana Ramos apresentado Capítulo 31que aborda o papel essencial dos Povos Indígenas e das Comunidades Locais na proteção da floresta.
Segundo ela, o Brasil está em uma encruzilhada histórica: no passado, a modernidade avançou às custas da destruição da Amazônia; no presente, e mais ainda no futuro, proteger a floresta é condição para a sobrevivência da humanidade. "O progresso nos encarregou da destruição da floresta. O futuro exige sua preservação", afirmou.
Adriana destacou que os povos indígenas e ribeirinhos já conservam centenas de territórios, mantendo florestas em pé e preservando conhecimentos que apóiam não apenas sua cultura, mas também a saúde global.
Ela observou que muitos medicamentos modernos são derivados de plantas cujos usos foram descobertos e mantidos por povos indígenas e comunidades locais. Entretanto, esse conhecimento raramente é reconhecido e, menos ainda, recompensado. Para mudar essa situação, ela defendeu a expansão das políticas de pagamento por serviços ambientais, não como favores ou compensações, mas como parte de uma economia justa que valoriza aqueles que cuidam da floresta.
Perguntas da nova geração
As intervenções dos membros do YAC trouxeram energia ao debate e apontaram novos caminhos.
Gustavo Nascimento perguntou como garantir a gestão adequada das florestas públicas, muitas vezes alvo de invasões ou grilagem de terras. A resposta foi unânime: a chave é a governança. Isso envolve o reconhecimento dos direitos territoriais, a atribuição de responsabilidade efetiva às comunidades pelo manejo dessas áreas e a valorização de diferentes sistemas de conhecimento, incluindo a ciência indígena. Como Adriana resumiu: "Sem governança, qualquer plano de gestão será frágil".
Maryane Andrade questionou como a nova geração pode contribuir para fortalecer as sociobioeconomias e criar oportunidades para os jovens amazônicos. Abramovay reconheceu que existem iniciativas de empreendedorismo, mas os investimentos ainda estão muito aquém do potencial. Ele destacou que os jovens geralmente têm ideias inovadoras, mas não têm acesso a crédito, mentoria ou mercados estruturados.
Pedro Neves de Castro refletiu sobre como conectar a inovação tecnológica e o conhecimento indígena e local. Segundo ele, os jovens podem ser pontes entre universos: usando ferramentas digitais, plataformas de comércio eletrônico e novas cadeias logísticas para expandir o alcance dos produtos amazônicos sustentáveis.
Adriana Ramos acrescentou que os consumidores também fazem parte dessa equação. Ao optar pelos mercados locais, apoiar os produtores amazônicos e rejeitar a ideia de que os produtos da floresta só podem ser vendidos como itens"gourmet", cada pessoa ajuda a criar uma economia mais diversificada e resiliente."O investimento na sociobioeconomia deve ser normalizado. Ele não pode ser visto como uma exceção, mas como parte da economia real", acrescentou.
O que podemos tirar desse diálogo?
A transição para uma sociobioeconomia amazônica requer várias frentes:
Confrontar os legados históricos que ainda moldam os mercados e limitam a inovação.
Reconhecer o papel de liderança dos povos indígenas e das comunidades locais e valorizar seu conhecimento.
Garantir a governança eficaz das florestas públicas.
Aumentar a visibilidade e o investimento em iniciativas na Amazônia.
Reposicionar o consumo consciente como parte estratégica da mudança.
Criar condições para que os jovens possam empreender e inovar em suas próprias comunidades.
O ponto principal é que a transformação depende do diálogo entre gerações. Os jovens trazem novas questões, os líderes experientes oferecem o contexto histórico e, a partir desse encontro, surgem caminhos concretos para que a bioeconomia passe de uma promessa a uma realidade.
E agora?
A terceira edição da série Science Across Generations: A Dialogue Series mostrou que construir uma Amazônia sustentável não é apenas uma questão de ciência ou política, mas de criar pontes: entre o passado e o futuro, o conhecimento indígena e local e a inovação tecnológica, os consumidores urbanos e as comunidades amazônicas.
O desafio é complexo, mas as vozes que se uniram nesse diálogo demonstraram que a mudança é possível quando diferentes gerações compartilham experiências, enfrentam dilemas e imaginam soluções coletivamente.
Em 2026, a série continuará, desta vez abordando as conclusões do próximo Relatório de Avaliação da Amazônia de 2025. Essas novas conversas aprofundarão o diálogo sobre os caminhos para um futuro sustentável e justo para a Amazônia.
Assista à sessão gravada:
Inglês: https://youtu.be/hziDWVKe1bQ
Português: https://youtu.be/4BorMjnxO9Q
Espanhol: https://youtu.be/YpOnm09WCho